Tenho a certeza que, todos nós, quando escrevemos ou fazemos um comentário sobre qualquer “post” que publicamos no blogue, procuramos relatar os acontecimentos verídicos. Todavia, esses episódios foram passados há quase 40 anos e, por isso, não se pretende com o que fica escrito, fazer uma tradução exacta dos acontecimentos reais, mas sim uma descrição com excertos dos factos mais relevantes e porque não, mais humorísticos também, que retivemos na memória, desse período marcante das nossas vidas.
Depois desta ressalva, vou tentar prosseguir com a promessa de continuar a descrição da "odisseia" que, foi a nossa ida e volta às Terras do Fim do Mundo .
Chegados ao Lufuta, depois das "tretas" burocráticas de substituição do pelotão da CCaç3370, ali sediado, ficamos entregues à nossa sina!... A nossa principal missão era a de dar protecção às máquinas da TECNIL, empresa empenhada nas várias frentes de trabalhos da construção da via de ligação Luso/Gago Coutinho/Ninda, e que, naquele local, fazia a extracção de “laterites”(*), que eram utilizadas para a consolidação e compactação das areias e servir de base ao alcatrão na via que então se construía.
O local, no aspecto paisagístico, até não era feio!... Ficava numa pequena elevação de terreno, num outeiro sobranceiro à "chana"(**) e ao rio que dava o nome ao local - Rio Lufuta. Mas era medonha a situação em que ficámos!... Meia dúzia de barracas, que se pretendiam ocultar nas últimas árvores da mata ou nas primeiras, conforme o ângulo de apreciação escolhido, sem protecção de espécie alguma.
Depois desta ressalva, vou tentar prosseguir com a promessa de continuar a descrição da "odisseia" que, foi a nossa ida e volta às Terras do Fim do Mundo .
Chegados ao Lufuta, depois das "tretas" burocráticas de substituição do pelotão da CCaç3370, ali sediado, ficamos entregues à nossa sina!... A nossa principal missão era a de dar protecção às máquinas da TECNIL, empresa empenhada nas várias frentes de trabalhos da construção da via de ligação Luso/Gago Coutinho/Ninda, e que, naquele local, fazia a extracção de “laterites”(*), que eram utilizadas para a consolidação e compactação das areias e servir de base ao alcatrão na via que então se construía.
O local, no aspecto paisagístico, até não era feio!... Ficava numa pequena elevação de terreno, num outeiro sobranceiro à "chana"(**) e ao rio que dava o nome ao local - Rio Lufuta. Mas era medonha a situação em que ficámos!... Meia dúzia de barracas, que se pretendiam ocultar nas últimas árvores da mata ou nas primeiras, conforme o ângulo de apreciação escolhido, sem protecção de espécie alguma.
Destacamento do Lufuta
Bem!...Existiam uns pseudo-abrigos cavados no chão, à volta do acampamento, onde caberiam duas pessoas com muito boa vontade, e que me pareceram, em primeira análise, quase que como umas covas, não com sete palmos de fundo(!!!), mas aí com três, no máximo!... Mal nos sentimos sós, começou a remoer em mim o tão propalado instinto de conservação. Algo que nos faz inventar as melhores maneiras de salvarmos a pele, quando algo nos ameaça a integridade física e psicológica.
Eu nunca tinha testado o meu e não estava nada, mesmo nada, interessado em que isso acontecesse, daí achar que os ditos abrigos, não serviam para nada!... Mas, passado algum tempo, verifiquei estar completamente enganado!...
Eu nunca tinha testado o meu e não estava nada, mesmo nada, interessado em que isso acontecesse, daí achar que os ditos abrigos, não serviam para nada!... Mas, passado algum tempo, verifiquei estar completamente enganado!...
Era frequente ouvir, nas conversas de quem já tinha ido à guerra, que os nossos "amigos do IN", sempre que os maçaricos chegavam, gostavam de lhes apalpar o pulso e conforme a sua reacção, se esta fosse brava e destemida ou mole e medrosa, assim os respeitariam ou chateariam durante todo o tempo. Eu, esperava a todo o momento por essa situação, que felizmente, para sorte da CArt 3514, nunca aconteceu!... Mas como “cautela e caldos de galinha” nunca fizeram mal a ninguém, a situação em que se vivia era, essencialmente, de alerta constante e que subia de nível durante a noite.
Tinham sido dadas ordens severas às sentinelas, pelo Comandante do 4º.Grupo, de que, em caso de verificarem qualquer anormalidade, não fosse feito fogo com a G3, porque isso só denunciaria a sua posição e, por isso, ficariam na situação fácil de um alvo a abater. Em caso de necessidade, deveriam lançar uma granada das ofensivas que serviria para alertar todo o nosso efectivo e permitiria que o pessoal saltasse para os ditos abrigos. Isto era repetido até à exaustão e era, mais ou menos, cumprido por toda a gente.
Uma bela noite, aí pelas 23:00 horas,( em África, anoitecia cerca das 17:00 horas e o crepúsculo do alvorecer era por volta das 04:30 horas) no Lufuta, a essa hora, os que não estavam de sentinela, já faziam meia-noite como é usual dizer-se. Pois meus amigos, e os do 4º Grupo de certeza que não esqueceram, inopinadamente, ouve-se o rebentamento de uma granada!!! Eu que ainda, nessa mesma noite, antes de adormecer tinha dito ao Alferes Maurício Ribeiro, nosso Comandante de Grupo, que a partir deste momento não mais tratarei pelo posto hierárquico dessa época, mas sim por Maurício, porque foi assim que sempre o tratei, dada a nossa grande amizade e o facto da tropa ter acabado no momento do desembarque, mas dizia-lhe eu: - Um dia destes os "gajos" vem aí fazer um festival!...
Adormeci com isto no pensamento, pelo que quando ouvi o estrondo do rebentamento, saltei como uma mola e, de arma em punho, fui parar ao abrigo que me era destinado e que ficava por trás da barraca. Não sei se cheguei primeiro se depois do Maurício, mas que cheguei depressa isso cheguei tal era o "cagaço" miudinho que me percorria a "espinha" e com a real convicção de que quem tem "o dito cujo" tem medo!... Bem!...Esperámos uns breves minutos e como nada mais se registasse (além do silêncio da mata, cheio de pequenos barulhos próprios da fauna das savanas africanas e que com o hábito, já não é barulho mas melodia), verificámos que não havia nada e que tudo fora um falso alarme!... Qualquer animal que se tinha aproximado e feito barulho, provocando aquela reacção à sentinela, que devia estar com tanta "coragem" como qualquer um de nós. Eu pelo menos estou a confessar a minha, daquele momento. Sempre soube lidar com os meus medos, mas não tinha nem nunca tive pretensões de ser herói. Agora estava lá para defender caro a minha pele e a do nosso pessoal. O facto de não querer ser herói nunca fez de mim cobarde.
Antes de mandar desmobilizar o pessoal, fomos ver como tinha sido a sua reacção e como este se tinham comportado e abrigado!!!...
Aí, então verifiquei, que os tais abrigos de que falei atrás tinham a sua função e eram efectivamente "bem dimensionados", isto porque nas tais "covas" couberam, em algumas delas, quatro elementos e podem crer que não haveria bala, se o acto tivesse sido real, que lhes tocasse!... Bem, isto apesar de ser uma narração, se for feita, toda de uma vez é maçadora e enfadonha, e por isso e por agora, fico-me por aqui, na certeza de que voltarei para contar mais um ou dois "episódios" que se passaram no Lufuta, local que, apesar de tudo, teve o seu encanto!!!
Um abraço a todos os elementos, que como eu, fazem parte da família "Panteras Negras". Vemo-nos em Fátima .
Tinham sido dadas ordens severas às sentinelas, pelo Comandante do 4º.Grupo, de que, em caso de verificarem qualquer anormalidade, não fosse feito fogo com a G3, porque isso só denunciaria a sua posição e, por isso, ficariam na situação fácil de um alvo a abater. Em caso de necessidade, deveriam lançar uma granada das ofensivas que serviria para alertar todo o nosso efectivo e permitiria que o pessoal saltasse para os ditos abrigos. Isto era repetido até à exaustão e era, mais ou menos, cumprido por toda a gente.
Uma bela noite, aí pelas 23:00 horas,( em África, anoitecia cerca das 17:00 horas e o crepúsculo do alvorecer era por volta das 04:30 horas) no Lufuta, a essa hora, os que não estavam de sentinela, já faziam meia-noite como é usual dizer-se. Pois meus amigos, e os do 4º Grupo de certeza que não esqueceram, inopinadamente, ouve-se o rebentamento de uma granada!!! Eu que ainda, nessa mesma noite, antes de adormecer tinha dito ao Alferes Maurício Ribeiro, nosso Comandante de Grupo, que a partir deste momento não mais tratarei pelo posto hierárquico dessa época, mas sim por Maurício, porque foi assim que sempre o tratei, dada a nossa grande amizade e o facto da tropa ter acabado no momento do desembarque, mas dizia-lhe eu: - Um dia destes os "gajos" vem aí fazer um festival!...
Adormeci com isto no pensamento, pelo que quando ouvi o estrondo do rebentamento, saltei como uma mola e, de arma em punho, fui parar ao abrigo que me era destinado e que ficava por trás da barraca. Não sei se cheguei primeiro se depois do Maurício, mas que cheguei depressa isso cheguei tal era o "cagaço" miudinho que me percorria a "espinha" e com a real convicção de que quem tem "o dito cujo" tem medo!... Bem!...Esperámos uns breves minutos e como nada mais se registasse (além do silêncio da mata, cheio de pequenos barulhos próprios da fauna das savanas africanas e que com o hábito, já não é barulho mas melodia), verificámos que não havia nada e que tudo fora um falso alarme!... Qualquer animal que se tinha aproximado e feito barulho, provocando aquela reacção à sentinela, que devia estar com tanta "coragem" como qualquer um de nós. Eu pelo menos estou a confessar a minha, daquele momento. Sempre soube lidar com os meus medos, mas não tinha nem nunca tive pretensões de ser herói. Agora estava lá para defender caro a minha pele e a do nosso pessoal. O facto de não querer ser herói nunca fez de mim cobarde.
Antes de mandar desmobilizar o pessoal, fomos ver como tinha sido a sua reacção e como este se tinham comportado e abrigado!!!...
Aí, então verifiquei, que os tais abrigos de que falei atrás tinham a sua função e eram efectivamente "bem dimensionados", isto porque nas tais "covas" couberam, em algumas delas, quatro elementos e podem crer que não haveria bala, se o acto tivesse sido real, que lhes tocasse!... Bem, isto apesar de ser uma narração, se for feita, toda de uma vez é maçadora e enfadonha, e por isso e por agora, fico-me por aqui, na certeza de que voltarei para contar mais um ou dois "episódios" que se passaram no Lufuta, local que, apesar de tudo, teve o seu encanto!!!
Na esplanada do Lufuta; Raul Sousa, Nauricio e Monteiro |
(*)”laterites” – rocha das regiões tropicais, formada essencialmente por hidróxidos de ferro e alumínio, em regra com concreções pisolíticas (em forma de ervilhas).
(**)”chana” – Grande planície alagadiça, do tipo “lezíria”, alagada ou seca, conforme a estação do ano(molhada ,com a subida de nível dos rios, na época chuvosa e seca na estação “seca”).
(**)”chana” – Grande planície alagadiça, do tipo “lezíria”, alagada ou seca, conforme a estação do ano(molhada ,com a subida de nível dos rios, na época chuvosa e seca na estação “seca”).
Grande susto apanhei pois tinha chegado com a minha Secção há pouco tempo e como não sabia da história do sentinela atirar a granada em caso de perigo, pensei que tinha sido uma morteirada do IN que tinha caído muito perto do acampamento.Daí o meu espanto ao ver o Maurício e o Monteiro em cima da trincheira, de peito aberto a fazerem alguns disparos para o mato.Que categoria, que grande domínio, pensei eu com os meus botões!...
ResponderEliminarJá lá vão 41 anos; mas considera essa como "nota de crédito" por conta daquela granada que atiraste ou mandaste atirar, quando estavas na proteção ao bate estacas na ponte do Lufuta.
ResponderEliminarComo o rancho tardou em chegar e já era muito tarde(19:30H), para aquelas paragens, onde anoitecia por volta das 17:00/17:30H.
Lá foram os mesmos protagonistas "armados até aos dentes"(eu, a esta distancia, diria antes armados em parvos), pela borda da chana, tirando e metendo pé no lodo dos meandros do rio e qual não é o nosso espanto de começarmos a ver-te muito tranquilo dentro da barraca de pitromax aceso a fumar o teu cigarro, como se nada tivesse acontecido . Quando lá chegamos, piores de que f....(fulos), e depois de termos verificado felizmente que era rebate falso, o Maurício questiona:
- Oh pá mas estava combinado que a granada era só em ultimo recurso?
Tu, com muita calma e muita pinta destes uma das tuas famosas respostas que deixava qualquer interlocutor KO e completamente desarmado:
- E às oito horas da noite, sem ter cá o tacho, não achas que foi o ultimo recurso que tinha, atirar uma granada, dada a fome com que todo o mundo está e verificar se vocês não se tinham esquecido de nós!!!