o0o A Companhia de Artilharia 3514 foi formada/mobilizada no Regimento de Artilharia Ligeira Nº 3 em Évora no dia 13 de Setembro de 1971, fez o IAO na zona de Valverde/Mitra em Dezembro desse ano o0o Embarcou para Angola no dia 2 de Abril de 1972 (Domingo de Páscoa) num Boeing 707 dos Tams e regressou no dia 23 de Julho de 1974, após 842 dias na ZML de Angola, no subsector de Gago Coutinho, Província do Moxico o0o Rendemos a CCAÇ.3370 em Luanguinga em 11 de Abril de 1972 e fomos rendidos pela CCAÇ.4246 na Colina do Nengo em Junho de 1974. Estivemos adidos em 72/73 ao BCav.3862 e em 73/74 ao BArt.6320 oOo O efectivo da Companhia era formada por 1 Capitão Miliciano, 4 Alferes Mil, 2 1º Sargentos do QP, 15 Furriéis Mil, 44 1º Cabos, 106 Soldados, num total de 172 Homens, entre os quais 125 Continentais, 43 Cabo-Verdianos e 4 Açorianos» oOo

domingo, 27 de novembro de 2011

TAVIRA – O Sacrifício dos Inocentes(1)

Lembram-se do Recruta das Caldas? Pois, esse mesmo, que já lá tinha lutado muito para que não lhe roubassem nenhum fim de semana, para regressar ao colo da mãe, agora de saudosa memória e aos braços da namorada, hoje esposa e mãe da sua filha única. Pois, esse mesmo, corria o mês de Abril de 1971, no final da recruta foi presenteado com uma boa especialidade que agora, quando por acaso lhe perguntam, diz que era dos Serviços Gatilhotécnicos, mas naquele tempo era Atirador de Infantaria. Pois, Amanuense do gatilho era uma especialidade militar de alto gabarito, que logo lhe marcava uma ida a África a qualquer um dos três palcos da guerrilha. Passado o primeiro impacto, há que arrumar as trouxas daqueles dez ou doze dias de licença em penates e fazer-se à jornada, ir até ao Algarve, que à data começava a ser um local de veraneio ( para os turistas claro está). A viagem que durou um dia inteiro, até não correu mal. Mas quando cheguei a Tavira, cidade onde estava sedeado o CISMI, Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, o choque foi tremendo. O quartel, um velho convento, cabia todo inteirinho dentro da parada do hotel de cinco estrelas de onde eu tinha saído, RI5 em Caldas da Rainha.
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Porta de Armas do CISMI
Apresentei-me lá ao 1º Sargento da Secretaria, xico por carreira, xicalhão por natureza, o que é bem pior. Esta personagem sinistra, depois de nos ler a “cartilha dos condenados”, mandou-nos aguardar uns minutos na parada, que depois iríamos ser distribuídos pelas nossas companhias. Pareceu-me serviço combinado (como o da CP), porque logo ali, apareceu um alto oficial (na estatura, claro está) com a patente de Alferes, que se virou para mim e meia dúzia de camaradas que ali se encontravam como eu, tal e qual como se aguardassem a malga da sopa, à porta de uma “caritas” qualquer e “ordenou-nos” que o seguíssemos em passo de corrida. Lá fomos, assim como rafeiros com a cauda entre as pernas, até à Atalaia, local mítico que mais à frente vos explicarei o porquê. Lá chegados, mandou-nos perfilar e fazer “queda facial em frente”, vá se lá saber porque era facial e em frente, mas era um ato muito tradicional e sem grande cerimonial no CISMI, que todos que por lá andaram não esqueceram de certeza. Pois, meus caros amigos, depois de executada a ordem, que para aqueles que lerem isto e não tiverem sido militares, é uma posição que nos faz ficar de quatro no chão, apoiados nas palmas das mãos e nas biqueiras das botas. Posição esta diga-se que é muito confortável para quem estiver só a ver, para quem tem de ficar em pranchado, amortecer a queda com os braços e depois fazer flexões sem nunca deixar ir a barriga ao chão, não vos digo nem vos conto…
Não é que aquela alma, aquele corisco maligno, cujos galões (um de cada lado) lhe tinham subido dos ombros à cabeça, lá do alto da sua escanzelada estatura, profere com uma alegria indisfarçável: - Está todo o mundo a encher cinquenta. Cinquenta flexões!? Ali logo para o lanche a coisa não estava mal, não senhor. Findas, as ditas cujas, vai de pôr em pé e em sentido como sua senhoria ia mandando. Claro que ao batimento das mãos sujas por terem estado no chão, junto das ancas ao fazer a posição de sentido, lá ficaram registadas a palma das mãos. O artista manhoso que era, passou revista e para quem tinha as calças sujas, o que obviamente sucedeu a todos, e ainda por cima as calças da fardinha número dois “de passeio” que ainda estavam limpas e vincadinhas, por ainda não termos começado os “trabalhos forçados”, foi argumento mais que suficiente para ali mesmo, voltarmos a ficar de quatro, com a tal “queda facial em frente” e pagamos mais cem (Eu não devia nada àquele “gajo”, nunca o tinha visto, mas paguei mais 100, sem refilar).
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Frontaria do Quartel, CISMI em Tavira
Foi assim o meu batismo e o de mais uns quantos, que aquela hora estávamos no lugar errado, quando passou aquele artista que achou que nos havia de humilhar, quebrar o orgulho e preparar-nos psicologicamente para o resto… Com mais calma vos darei conta para, como agora é vulgar ouvir dizer, ficar registado para memória futura. Assim começou a minha fornada de furriéis, que enquanto a dita não ficou bem cozida ou queimada, ainda começaram por ser tratados por Cabos Milicianos, aquele estado do limbo/purgatório militar, não eram Praças nem Sargentos.
Isto meus caros amigos, foi o meu batismo no CISMI, assim a modos que os aperitivos ou as entradas de um evento gastronómico. Os restantes pratos daquela comida forte no Algarve servir-vos-ei a seu devido tempo, assim o engenho me ajude para o passar a escrito.
Um forte abraço a toda a Família Panteras Negras em geral e em particular aos editores deste Blogue. Até um dias destes.

sábado, 26 de novembro de 2011

Revivendo épocas passadas

Camaradas “Panteras Negras”:
Já são decorridos mais de dois meses sobre a minha última passagem neste blogue e, por isso, resolvi dar sinais de que ainda por cá ando, embora com algumas dificuldades inerentes à minha saúde e idade que, é bom não esquecer, é mais avançada que a vossa uns treze a catorze anos. Pode parecer que nada significa essa diferença, mas o facto é que representa muito e espero que vocês próprios o verifiquem quando atingirem a minha actual idade daqui a catorze anos, o que será um óptimo sinal e a prova de que ainda por cá andam. As razões da minha ausência neste blogue devem-se a eu ter também o meu próprio Blogue, onde coloco “posts” semanais e assim, o tempo torna-se-me um tanto escasso para outras actividades. Hoje consegui arranjar um tempo para dar notícias minhas neste local e aqui estou para isso mesmo. Em simultâneo aproveitei para recordar factos passados na época em que estivemos destacados em missão de guerra no Leste de Angola.
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Botelho, no descanso (Nengo 1973/74)
Para isso lá fui procurar nas caixas de sapatos alguma foto que pudesse ilustrar este “post”. Entre outras, escolhi as duas que aqui anexei. Na primeira estou eu no meu quarto, na Colina do Nengo, imagem que deve ter sido captada em 1973-74, numa pose de descontracção e descanso, após um dia chato na Secretaria do Comando, o meu local de trabalho. Tenho saudades desse tempo, mas não da situação vivida por todos nós naquela época em que nos encontrávamos desenraizados das nossas famílias, das nossas terras e entes queridos!...Saudades da minha idade, da minha saúde de ferro que, hoje, se encontra um tanto enferrujada; saudades da camaradagem em que vivíamos e que ficou solidamente cimentada até ao dia de hoje e se renova periodicamente nos diversos convívios que se têm realizado e contribuem para o fortalecimento desses elos que a todos nos unem. Na segunda imagem, captada no ano de 1972 enquanto a CArt 3514 esteve em Gago Coutinho, estou eu também. O local em que me encontro é junto à ponte sobre o primeiro rio que se encontra à saída de Gago Coutinho, na estrada para o Nengo . A estrada em questão está por trás de mim, em último plano.
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Botelho, em passeio (Gago Coutinho-1972)
Foi durante um passeio aos arredores de Gago Coutinho e demonstra grande descontracção para quem está numa zona de guerra!...Enfim é o que faz sermos novos e nos leva o tomar atitudes de tal inconsciência e que, se fosse hoje, seria incapaz de assumir!...Vou terminar, apresentando cordiais saudações para o nosso “blogmaster”, restantes colaboradores , para todos os “Panteras Negras” e familiares e ainda para os eventuais visitantes deste Blogue, onde quer que se encontrem. Para todos vai um abraço do Camarada e Amigo,
Octávio Botelho

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

"Rebenta Minas"

Durante os dez anos de guerrilha no Leste de Angola as minas AP e AC provocaram muitos danos físicos, morais e materiais às NT. As picadas de areia solta eram propícias a este tipo de armadilha, pois era muito fácil enterrar e armar uma mina anti-carro no trilho onde rolavam as viaturas que seguiam uma após outra, como dum comboio se tratasse, serpenteando na mata que as ladeava quilómetros e quilómetros e invadia muitas zonas destes trilhos sinuosos.
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Rebenta Minas estaccionado na Colina do Nengo em 1973
Houve que inventar um “rebenta minas” para minimizar os efeitos psicológicos ao condutor da frente, adaptando a Berlliet, que rolava na cabeça da coluna, com o objectivo de destruir os possíveis engenhos explosivos “semeados” na picada. As viaturas eram reforçadas e blindadas com sacos de areia sobre a carroçaria traseira, sobre os guarda lamas e também sob o banco e os pés do condutor, os pedais e o volante eram acrescentados, as portas, a capota da cabine e o capô do motor eram removidos, de modo a não provocarem danos colaterais sobre o condutor, no caso de o veículo accionar uma mina.
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Picada de Ninda 1973 - Autotanque da Tecnil destruido por mina AC
Mais tarde, foi projectado e estudado em pormenor um rebenta minas, com a colaboração técnica da Universidade de Luanda e depois fabricados em oficina pelo Depósito Material de Guerra em Angola. O dispositivo montado na frente do tractor, constava de uma lança perfilada em aço tubular, com três metros e tal, acoplado a um eixo articulado de rodado duplo ou simples, provido de rodas maciças com sistema direccional, de difícil manejo por parte dos condutores, devido e á falta de amortecedores e á rigidez do sistema.
Picada de Ninda 1972 - Berlliet destruida por mina AC
Nunca tiveram grande aceitação devido ao mau desempenho no terreno, uma das criticas feitas ao veículo era o varejo da lança que provocava muitas saídas do trilho em picada e também a falta de potência, que obrigava o motor a regimes de rotação muito altos com sobre aquecimento do material, que causava paragens e demoras no andamento da coluna. Em Gago Coutinho o RM era muito utilizado pelo Bcav. 3862, na velha picada para o Mussuma, Ninda e Chiúme, mas o aparecimento da nova geração de minas AC com sistema de carreto/trinco programado para explodir na 2º, 3º ou 4º viatura e também a construção da nova estrada, motivaram a sua paragem.
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Ninda 1974 - Dias Monteiro na lança do RM

Gago Coutinho 1972 - Elisio Soares na lança do RM 

Gago Coutinho 1972 - RM com eixo dianteiro de rodado duplo
Mais tarde com a chegada do novo batalhão, um dos Cmdts do Bart 6320 gostava muito de se exibir na vila aos comandos daquele brinquedo, decidiu novamente a sua inclusão na frente das colunas auto, mas a sua inoperacionalidade em caminhos de laterite e alcatrão, levavam os cmdts das colunas invarialvelmente a dispensá-lo, a meio do caminho, não passando para além do rio Nengo, onde ficavam à espera do retorno da coluna, para regressarem à sede do batalhão em Gago Coutinho.
AP – anti pessoal
AC – anti carro
NT – nossa tropa
RM – rebenta minas.......Adeus até ao meu regresso