Em finais de 72 o “Bidonville” na Colina do Nengo estava em fase de acabamentos, reunindo as condições mínimas para a instalação do Comando da Companhia, até então sedeado no Quartel do Batalhão em Gago Coutinho, desde a saída de Luanguinga em Junho desse ano. O grosso do pessoal operacional, acampou junto à ponte do rio Mussuma, onde iniciámos a construção de algumas estruturas básicas, mas foi sol de pouca dura, os oito kms que nos separavam da vila era uma tentação, o “desenfianço de homens e viaturas” não auguravam uma estadia prolongada naquele local. A distância cada vez maior á frente de trabalhos, a logística e a segurança acabaram por acelerar a mudança para o alto da colina Nengo, de onde dominávamos visualmente a zona envolvente, a meio caminho na picada para Ninda, onde acabamos desterrados até ao final da comissão.
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«Foto de Dias Monteiro» - Destacamento Rio Mussuma Julho 1972 |
Estávamos em Dezembro, tinha acabado de chegar com o Medeiros de umas curtas férias, ele nos Açores, eu na Metrópole, estava no Nengo com o 1º Grupo, quando o Rodrigues recebeu ordem para preparar o pessoal, havia um reconhecimento, de dois dias a jusante do rio na margem esquerda, ao longo da encosta, até à confluência do primeiro afluente, uma dezena de kms de distância, pernoita e regresso no outro dia ao longo da orla da chana. Já tínhamos dormido na mata algumas vezes na protecção à D8, que fazia a desmatação na frente de trabalhos, conhecíamos o ambiente nocturno, com todos aqueles sons estranhos e animais rastejantes, à procura duma refeição, foram dois anos a contar estrelas. O Medeiros participou voluntariamente, por indisponibilidade do Arlindo de Sousa, o Dias da Rosa passou uma manhã a costurar um colete para granadas do M.60 ao Lourenço do Carmo, levamos também o David Ramos Vaz, que o António Soares carinhosamente tratava por “Bagaço” era seu adjunto na brigada das obras e manutenção do destacamento, tinha retornado ao pelotão por infringir a “lei seca” semanas a fio.
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Patrulha no Nengo em 1973 |
Saímos cedo, progredindo em trilhos de caça, quase sempre com a chana á vista, a meio da manhã ao explorar um antigo caminho vindo do rio, detectamos sob a copa do arvoredo o esqueleto duma velha cubata com alguns artefactos artesanais de pesca, à muito abandonados, depois uma paragem mais prolongada para ingerir a RC, na parte da tarde o calor os insectos e o prurido causado pelos pólenes, não deram tréguas, também a arma, os carregadores, as granadas, o saco dos apetrechos, o bornal e o cantil, começaram a fazer mossa.
O final da tarde aproximava-se, havia que procurar um sitio para pernoitar, acampamos numa zona arborizada em chão de areia, depois descemos em grupos até ao rio para reabastecer os cantis, escolhido o lugar, havia que montar a segurança, determinar os locais de cada secção, nivelar e limpar o local de aconchego, acolchoá-lo com folhas, trocar de meias fazer alguma higiene, comer e descansar. No outro dia madrugamos cedo, noite mal dormida, algum frio entranhado nos ossos, aquela maldita neblina matinal que repassava a vegetação e ofuscava a visibilidade, a falta do tabaco, o mau hálito, a sujidade, as botas a ferrar o dente, o mata bicho sabe mal, apenas os cubos de marmelada consolam o palato, desfazemos os nichos, enterramos o lixo, camuflamos os vestígios, preparamos o regresso..
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Nengo Nov. de 73 - Carvalho, Liberto, David Vaz, Barbas, depois Beringel e Eduardo Barros |
Na hora da partida estala a gargalhada geral, vemos o David Vaz de gatas numa azáfama, remexendo o chão em volta do lugar onde pernoitou, alguém pergunta, o que é que perdeste? Oh porra, perdi o meu dinheiro..! Returque o “Estrangeiro” (Almeida Correia) com sacanice, para que trouxestes dinheiro seu ca..lho?
Sei lá, podia-mos ter a sorte de encontrar um tasco no caminho…!! Só o David Vaz me fazia rir naquela hora, ainda o consigo imaginar de kiko na cabeça á “tronga-mocha”, beata ao canto da boca, patilhas e bigode mal aparados, naquele seu estilo desengonçado e castiço, mas muito trabalhador e subordinado.
No caminho de regresso ao longo da orla da mata, antigas palhotas queimadas e pequenas lavras familiares abandonadas com algumas árvores de fruto, maltratadas pelo tempo e pela seca, onde recolhemos algumas mangas resinosas e laranjas engelhadas, mais há frente uma longa mancha de terra ocre, estéril e torrada, cotos de madeira carbonizados, resquícios do que teria sido outrora uma grande lavra, arrasada pelo efeito do napaln muito utilizado nesta zona. .
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"Foto Kamangas" 1973 - Destruição de lavra com bomba de Napalm |
As populações habitavam ao longo das margens dos rios, em pequenas comunidades, subsistindo das lavras, da pesca, do mel e da caça. Com o inicio da guerrilha, foram deslocalizadas e intimadas a viverem, em guetos de arame farpado na periferia de vilas, em agrupamentos étnicos, controladas socialmente, por sobas, milícias e pide, subtraindo-os à influência dos guerrilheiros e evitando que dispersos no mato fossem fonte de recrutamento fácil e coercivo.
Adeus até ao meu regresso
Camarada Carvalho:
ResponderEliminarDesta vez, tinhas o saco bem cheio e, diga-se, de bom material!... Estou a lembrar-me de, na última conversa telefónica que tivemos,teres referido o epísódio do "tasco" que o Vaz sonhava encontrar nas margens do rio Nengo, em plena zona tropical. Se fosse possível, até seria benvindo!...Cordiais saudações para os restantes colaboradores, para a família "Panteras Negras" e familiares, assim como para os eventuais vistantes do Blogue.Para ti vai um abraço do Camarada,
Octávio Botelho
Camarada Carvalho, pela descrição, que fêz do Vaz, e olhar a foto, onde ele está, juro que me emocionei e voltei quase quarenta anos atrás, eu que privei de perto com ele na equipa das obras, sob a orientação do chefe Soares, subscrevo tudo o que diz, bom rapáz não negava um favor a ninguém, mas também não recuzava metade de uma Nocal,Gostei desta homenagem Carvalho, o Vaz, merecia!...Apezar, de gostar dos copitos,foi sempre correto com todos nós,por isso junto aqui também a minha omenagem, ao nosso Váz, ««ao nosso bagaço»»;... um abraço para todos do camarada,César Correia
ResponderEliminarBom Dia, venho por este meio, informar que o vosso camarada Pantera Negra art. 3514, José da Cruz, faleceu dia 25 outubro e irá realizar-se o funeral hoje, 26 outubro pelas 16h na capela de sao jorge-batalha... se quiserem prestar homenagem podem contactar através do mail claudiavieiracruz@hotmail.com ou numeros de telefone 244481357/918980693
ResponderEliminarobrigada pela atenção, os melhores cumprimentos,
Cláudia Cruz
Boa Noite, queria deixar um muito obrigado pela vossa presença neste momento tão doloroso, para todos nós!!!Que a vida vos sorria ao longo dos vossos dias e lembrem-se sempre com carinho do vosso amigo José da Cruz!!!
ResponderEliminarCom os melhores cumprimentos,
Cláudia Cruz
P.S- Como já o nosso amigo António Feio dizia "Façam o favor de ser felizes"
Jose da cruz. .. faz hoje 3 anos que partiste meu pai sem dizer adeus tua familia e amigos que também adoravas. ...
ResponderEliminarda tua filha Luisa e neto Bernardo, saudades💜