o0o A Companhia de Artilharia 3514 foi formada/mobilizada no Regimento de Artilharia Ligeira Nº 3 em Évora no dia 13 de Setembro de 1971, fez o IAO na zona de Valverde/Mitra em Dezembro desse ano o0o Embarcou para Angola no dia 2 de Abril de 1972 (Domingo de Páscoa) num Boeing 707 dos Tams e regressou no dia 23 de Julho de 1974, após 842 dias na ZML de Angola, no subsector de Gago Coutinho, Província do Moxico o0o Rendemos a CCAÇ.3370 em Luanguinga em 11 de Abril de 1972 e fomos rendidos pela CCAÇ.4246 na Colina do Nengo em Junho de 1974. Estivemos adidos em 72/73 ao BCav.3862 e em 73/74 ao BArt.6320 oOo O efectivo da Companhia era formada por 1 Capitão Miliciano, 4 Alferes Mil, 2 1º Sargentos do QP, 15 Furriéis Mil, 44 1º Cabos, 106 Soldados, num total de 172 Homens, entre os quais 125 Continentais, 43 Cabo-Verdianos e 4 Açorianos» oOo

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Aos companheiros de Cabo Verde

Afinal amigos, isto começa a ficar mais interessante. As alfinetadas que aqui vou dando, e não me cansarei de dá-las enquanto não melhorarmos a participação dos colegas, vão surtindo algum efeito, embora, se lamente ainda. muito à custa das intervenções do Carvalho que tem sido o grande animador e mentor do blogue e, passe a imodéstia, do signatário que lá vai dando também o seu parco contributo. Mas, como prometera, hoje vou escrever um pouco sobre os nossos amigos cabo-verdianos. Antes de mais, há que repôr uma pequena gafe que cometi num comentário àcerca dum escrito do Carvalho aonde listava todos os companheiros dos diferentes pelotões, comando etc., causando-me grande admiração por ele identificar tantas coisas, a maior parte das quais eu já me esquecera. De entre elas, dizia que apenas me recordava dos companheiros do meu pelotão, comando e metralhas e quase que nem dos cabo-verdianos me lembrava. De facto não era bem isso que queria dizer. Tentei alterar mas já estava escrito e deixei ficar como estava. Hoje vou corrigir, repondo a verdade. Realmente é dos cabo-verdianos que mais me recordo, juntamente com os outros companheiros entretanto mencionados. E sabem porquê? Pelo espírito ilhéu e irreverência que ostentavam, exactamente igual aos sentimentos que eu, como ilhéu, também sentia. Na prática, sentíamos ser todos portugueses de 3ª ou de 4ª ; incultos, atrasados, envergonhados relativamente ao conceito que os continentais tinham de nós, rindo-se dos nossas pronúncias e falares que os consideravam dialectos da língua mãe - ainda hoje isto é verdade - que de tudo sabiam e de tudo palpitavam, considerando-se de facto portugueses de 1ª , uma espécie do que Hitler chamaria "a raça pura, a raça ariana". Por isso, as ilhas foram sempre ignoradas pelos Governos de então e, quando alguma coisa chegava cá, era por troca de muita subserviência, qual mendigo pedindo uma migalha de pão à mesa de um rico. O território portugês, o Continente especificamente, era-nos adverso. Nada semelhante ao que considerávamos o esplendor, mesmo vivendo em miséria, o sossego, a paz, e a beleza natural das nossas ilhas e a amabilidade das nossas gentes. Ainda nos primeiros tempos de recruta em Tavira, aqui e ali senti esta sensação de marginalização bem ao vivo. Com o andar do tempo, claro que tudo se alterou. Os nossos e os vossos conceitos. Privilegiaram-se relações, aproximá-mo-nos como seres humanos normais e a estima e o afecto entre todos nós passou a comandar as nossas vidas, esbatendo-se assim diferenças, de origens, de côr, de ideias, etc. Quando cheguei a Évora, em Setembro de 2001 para formarmos a nossa CART 3514, quase todos ignoravam os cabo-verdianos. Os epítetos que lhes eram atribuidos, eram semelhantes aos dos açorianos: os gajos são revoltados, maus, inimigos do estado e da nação, próximos dos movimentos de libertação, mal educados, bêbados, perigosos, etc. O rosário era grande... Quase que não ousavam aproximar-se deles pois eram traiçoeiros, munidos de navalhas de ponta e mola, sempre à espreita de uma "guerra". Foi isto que ouvi deles em Évora, razão porque ninguém os queria na sua companhia. Lentamente comecei a aproximar-me deles porque, mais do que ninguém, os compreendia e lá passava os fins de semana, com eles, ferrolhado naquele quartel, na maioria dos casos fazendo serviços dos que iam para as suas terras passar o fim de semana com as famílias. O primeiro que abordei foi o Borges. O grandalhão, forte, que gaguejava muito, do pelotão do Carvalho. Não foi fácil falar com ele, tal era o sentimento de revolta que lhe ia na alma. Inicialmente até tive algum receio. Depois de saber que eu também era ilhéu, igual a eles, o Borges foi como que um livro aberto. Nos dias seguintes, o Borges já se fazia acompanhar por mais e mais cabo-verdianos para, em conjunto, falarmos das nossas ilhas, das nossas dificuldades, da tropa, da fome que passámos naquele maldito quartel.
Depois, sabendo que eu gostava muito de música e que tinha dirigido alguns grupos corais apesar dos meus 17, 18 anos, conduziram-me lá para uma das casernas deles para ouvi-los a tocar nos seus cavaquinhos, aonde se vibrava com o choradinho das suas lindas mornas e a alegria das coladeras, das quais, algumas, já conhecia. Assim criámos muita amizade entre nós a tal ponto que quando vim à ilha Terceira - aonde vivia na altura - gozar os 10 dias de licença de mobilização, fui com pessoa amiga à Base Americana das Lajes comprar pastas de dentes colgate,  na altura muito na moda , chocolates e outras guloseimas de que já não me recordo, pedidos feitos pelo Borges, para oferecer aos meus amigos de Cabo Verde. Entreguei-lhos para os distribuir. Quando souberam que os dois pelotões de cabo-verdianos existentes em Évora íam ser integrados na nossa companhia CART 3514, ficaram radiantes, pois não queriam ir nas outras duas Companhias que se formavam em simultâneo naquele quartel, o RAL 3. Devem-no ao nosso Capitão Rui Almeida! Não posso esquecer também o grande contributo que o Medeiros deu nesta aproximação pois ele, tal como eu, ilhéu, percebíamos bem os sentimentos que íam na alma daqueles nossos camaradas. Outros colegas terão dado os seus contributos. O certo é que tivémo-los em Angola como bons companheiros, amigos e cooperantes, ajudando-nos muitas vezes com os seus cantares típicos e sons harmoniosos dos seus cavaquinhos e violões, a embalar os nossos corações e sentimentos, em serões inesquecíveis, no calor de uma fogueira e do luar sertanês do aquartelamento do Nengo.
Um abraço

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